Os representantes dos Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua(?) Portuguesa (CPLP) deram hoje o aval aos processos de candidatura da Índia e Irlanda a observadores associados, o que será depois avaliado na cimeira da organização. Se a Guiné Equatorial faz parte, qualquer um pode entrar, seja a Somália ou a Coreia do Norte ou o Tajiquistão.
“R egistamos com apreço os pedidos da Irlanda e da Índia”, afirmou o embaixador de Cabo Verde, país que detém a presidência rotativa da CPLP, após uma reunião do Comité de Concertação Permanente (CCP), que reúne os representantes dos Estados-membros da organização.
Agora, a decisão sobre a entrada dos dois países como observadores associados compete aos chefes de Estado e de Governo, que deverão reunir-se na cimeira da CPLP, prevista para Julho do próximo ano em Luanda, Angola.
A manifestação de interesse da Índia foi apresentada em Maio último e a da Irlanda em Abril.
Em Dezembro de 2019, o primeiro-ministro português, António Costa, afirmou à agência Lusa que o seu homólogo indiano, Narendra Modi, lhe comunicou a decisão da Índia de requerer o estatuto de país observador associado da CPLP.
“Estamos perante uma excelente notícia. Tenho a certeza que todos os países da CPLP irão acolher como muito positivo esse reconhecimento da parte da Índia sobre a importância geoestratégica, política e cultural de um espaço que percorre todos os continentes e que reúne cerca de 260 milhões de habitantes”, declarou na altura o primeiro-ministro português.
Já em Fevereiro deste ano, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pouco depois de ter aterrado em Nova Deli, também para uma visita de Estado àquele país disse que a entrada da Índia na CPLP com o estatuto de membro associado iria concretizar-se na próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo da organização, a realizar em Luanda.
O estatuto de observador foi criado na segunda cimeira da organização, na cidade da Praia, em Julho de 1998, como resposta ao desejo da CPLP de alargar as colaborações extracomunitárias.
Em 2005, no Conselho de Ministros da CPLP, em Luanda, foram estabelecidas as categorias de observador associado e de observador consultivo.
Os Estados que pretendam adquirir o estatuto de observador associado terão de partilhar os respectivos princípios orientadores, designadamente no que se refere à promoção das práticas democráticas (ver o exemplo da Guiné Equatorial), à boa governação e ao respeito dos direitos humanos (continuar a ver o caso da Guiné Equatorial), e prosseguir através dos seus programas de governo objectivos idênticos aos da CPLP, mesmo que, à partida, não reúnam as condições necessárias para serem membros de pleno direito daquela organização, segundo o ‘site’ oficial daquela comunidade.
Quanto às candidaturas, deverão ser “devidamente fundamentadas de modo a demonstrar um interesse real pelos princípios e objectivos da CPLP”, refere a organização, e serão apresentadas ao secretariado-executivo que, após apreciação pelo comité de concertação permanente (composto pelos embaixadores dos nove Estados-membros), as encaminhará para o Conselho de Ministros, o qual recomendará a decisão final a ser tomada pela cimeira de chefes de Estado e de Governo.
Se tudo correr como esperado relativamente à evolução dos processos das candidaturas agora em curso, na cimeira de Luanda mais 11 países deverão tornar-se observadores associados da CPLP.
Os observadores associados podem participar, sem direito a voto, nas cimeiras e no conselho de ministros, sendo-lhes facultado o acesso à correspondente documentação não confidencial, podendo ainda apresentar comunicações desde que devidamente autorizados para o efeito. Além disso, podem ser convidados para reuniões de carácter técnico.
Porém, qualquer Estado-membro da CPLP poderá, caso o julgue oportuno, solicitar que uma reunião tenha lugar sem a participação de observadores.
Actualmente, a CPLP conta com 18 países observadores associados e uma organização, que é a OEI — Organização de Estados Ibero-Americanos.
Os Estados-membros da CPLP são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
O presidente da Confederação Empresarial da CPLP (um emblemático elefante branco), Salimo Abdula, defende que a Guiné Equatorial não deve ser afastada da organização e está preocupado com posições públicas de governantes sobre aquele país-membro. É muito mais fácil e rentável negociar com ditaduras do que com regimes democráticos. E o resto que se lixe.
“Tivemos uma reunião da comissão executiva da confederação e falamos sobre este assunto e, mesmo alguns elementos representantes de Portugal, mostraram-se muito preocupados por afirmações vindas de governantes de Portugal” relativamente à Guiné Equatorial, afirmou Salimo Abdula, em Abril de 2019 numa entrevista à Lusa em Lisboa.
O empresário moçambicano defendeu ainda que “a Guiné Equatorial está a precisar de se abrir à comunidade” e reforçar a sua “convivência com a Europa, com a Ásia, e outros países com mais experiência no plano democrático”.
Por isso, “fechá-los [num isolamento diplomático] só estamos a condená-los ao pior”, afirmou. E que tal oferecer, para já, o estatuto de país observador da CPLP à Coreia do Norte, por exemplo?
Na opinião de Salimo Abdula, os membros da CPLP devem ajudar os responsáveis da Guiné Equatorial “a dirimir as pequenas diferenças que possam existir, mas não [devem] abandoná-los”. Pequenas diferenças? E assim vai esse pechisbeque que dá pelo nome de CPLP.
O empresário moçambicano e presidente da CE-CPLP referia-se assim às declarações feitas por governantes de vários países da CPLP relativamente à permanência da Guiné Equatorial como estado-membro da comunidade, um país que vive há dezenas de anos sob um regime ditatorial e onde ainda existe a pena de morte. Coisa pouca, portanto. “Pequenas diferenças”, diz Salimo Abdula.
O primeiro-ministro português, António Costa, disse em tempos que se a Guiné Equatorial quer permanecer na CPLP “tem que se rever” num “quadro comum” que não inclui a pena de morte.
“Somos uma comunidade que assenta nos valores da liberdade, da democracia, de respeito dos direitos humanos e da dignidade de pessoa humana, que é absolutamente incompatível com a existência da pena de morte em qualquer dos países membros”, afirmou António Costa.
O primeiro-ministro luso falava aos jornalistas juntamente com o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, no final da V Cimeira Portugal-Cabo Verde, que decorreu em Lisboa.
No dia 15 de Abril de 2019 o então chefe da diplomacia angolana defendeu ser necessária “alguma pressão” sobre a Guiné Equatorial, referindo que a “identidade da CPLP tem princípios inegociáveis e que a abolição da pena de morte é um deles”.
O então ministro dos Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, reafirmou a posição de que o fim da pena de morte é um dos “princípios inegociáveis” da organização.
“É do interesse da Guiné Equatorial fazer parte da CPLP. É interesse dos países da CPLP ter a Guiné Equatorial no seu seio. Agora, é preciso também aqui a vontade da maioria, mas sobretudo que os princípios básicos da organização sejam respeitados”, respondeu Manuel Augusto.
“Nós empresários, não nos vamos meter nas politiquices” considerou o presidente da CE-CPLP, lembrando, porém que a Guiné Equatorial foi admitida por uma decisão política. Assim, para Salimo Abdula ditadura e pena de morte são apenas “politiquices”.
Por isso, “não fomos nós que admitimos, mas ficamos galvanizados, porque há oportunidades para empresários da lusofonia lá”, afirmou Salimo Abdula.
Salimo Abdula tem razão. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Vergonha precisa-se, urgentemente!
Em 2016 os observadores da CPLP consideraram que as eleições presidenciais na Guiné Equatorial decorreram “de forma ordeira e pacífica” e registaram uma predominância de elementos do partido no poder. Teodoro Obiang ganhou com 98% dos votos. Que melhor prova de democracia poderia querer a CPLP…
“A votação decorreu de forma ordeira e pacífica, não havendo registo de incidentes. O acto eleitoral foi acompanhado de um visível dispositivo de segurança”, considerou a equipa de “turistas” da CPLP.
Os observadores/turistas da organização lusófona, a que a Guiné Equatorial aderiu em 2014, constataram, nas deslocações realizadas, “a predominância de elementos de campanha eleitoral do PDGE [Partido Democrático da Guiné Equatorial, no poder] face às demais candidaturas”.
Por outro lado, a equipa observou a presença de delegados do PDGE “em todas as mesas visitadas, e a presença, em menor número de mesas, de delegados de outras candidaturas”.
“O dia eleitoral decorreu conforme os procedimentos operacionais previstos para o efeito, designadamente no Manual de Instrução para os Membros das Mesas” e, “nos locais visitados, os membros das mesas de voto demonstraram o necessário conhecimento sobre os procedimentos a seguir, o mesmo acontecendo com a generalidade dos eleitores”, descreveu a missão de acompanhamento.
Os observadores verificaram ainda que as mesas visitadas “dispunham do material necessário ao seu bom funcionamento e ao exercício do voto por parte dos eleitores”, acrescentaram.
Segundo a CPLP, a acção da equipa “foi condicionada pela chegada tardia ao país, o que não permitiu o acompanhamento do ciclo eleitoral, designadamente do período de campanha, nem assegurar a cobertura da parte continental do território nacional”. O então secretário executivo da comunidade, Murade Murargy, disse que tal se deveu a constrangimentos financeiros.
Por outro lado, acrescentava a nota da missão de acompanhamento, não foram disponibilizadas listas das mesas de voto em tempo útil, o que “não permitiu a identificação atempada dos locais de acompanhamento do ato eleitoral”.
A missão decorreu a convite das autoridades da Guiné Equatorial e a equipa é foi chefiada pelo então representante permanente de Timor-Leste junto da CPLP, embaixador Antonito de Araújo, integrando ainda diplomatas das representações de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e elementos do secretariado-executivo.
Recorde-se que, segundo Domingos Simões Pereira, então Secretário Executivo da CPLP, o processo de adesão da Guiné Equatorial à CPLP consistia em:
“Por um lado, a Guiné-Equatorial já está cumprindo com a aprovação da língua portuguesa, como língua oficial. Mas também há princípios que têm a ver com o exercício democrático no país, com uma maior abertura, com os direitos humanos. Há todo um conjunto de princípios no país que nós achamos que têm que ser respeitados”.
Era, na altura, uma tentativa, vã e coxa, de querer dar credibilidade à CPLP.